segunda-feira, 20 de abril de 2009

BRINCAR DE DESLER AMANHECENDO


Começo citando o trecho de um dos livros que li, pois meus aliados teóricos me alucinam num constante bombardeio, uma possessão que me deixa em crise. Onde encontrar a mim mesmo? o que digo de mim para consigo se fico ardendo de restos? nem citei ainda o tal livro e já sou assaltada pela “ imagem” da Graúna, pássaro esperto do Henfil, e suas asas que são milhares de livros. Bem que seria mais cômodo ser Emílio pra ter Rousseau como mestre opondo restrições às minhas leituras.

A elas atribuo os desastres sentimentais de minha vida, foucaulteanamente falando eu não sou o dentro que se faz de fora?

Perco-me. Agora é Paulo Freire, desejo cometer o mesmo pecado que ele, ensinar a ler e ao mesmo tempo pensar no que leu. Penso, e como meu amigo Fernando Pessoa “fico doente dos olhos”, que desenvolvendo um trabalho com crianças estarei também atingindo a criança que vive no interior (ainda que ínfimo) de homens e mulheres... sensibiliza-me seu poema “O meu menino Jesus”, como aquele meio-dia de primavera fez-se em encurtamento e o poeta percorreu a eternidade exercendo Jesus Cristo e ficou sendo. O Menino o obteve! “A Criança Eterna acompanha-me sempre. A direção do meu olhar é o seu dedo apontando”. E não foi o próprio Jesus quem sentenciou pertencer o Reino dos Céus aos que são como criança?

Voltando ao livro, adentro-me em “ Quando Nietzsche chorou ” de Irvin D. Yalom, um livro interessante que ajuda a gente a compreender os tormentos de Nietzsche e suas constantes dores de cabeça: “... Eu tenho um porquê de viver e posso enfrentar qualquer como...Estou grávido aqui – deu uma pancadinha na têmpora – de livros, livros quase plenamente formados, livros que somente eu posso escrever. Ás vezes, penso em minhas dores de cabeça como dores de parto cerebrais”. Se sou grávida de livros que só eu posso escrever, que faço desses meus hóspedes se sou sua albergaria? “Meu” Manoel de Barros me dá uma idéia: "A voz de meu avô arfa. Estava com um livro debaixo dos olhos.
Vô! o livro está de cabeça pra baixo.
Estou
deslendo”.

Pronto, brincarei de desler com meus hóspedes,
Assim
amanhecendo-me
neles.




A LEITURA SUBVERTIDA EM DESLUMBRAMENTOS


Quando leio “O Tejo” poema de Alberto Caeiro, nele fico sendo despretensiosamente o rio sem nome e ainda vejo o óbvio que ninguém viu ou sentiu. Como Rubem Alves fico com dó de tanta gente Tejo que conheço, e digo com “meu” Manoel de Barros, “As coisas que não têm dimensões são muito importantes” e ainda com ele oro a Deus: “Todas as coisas apropriadas ao abandono me religam a Deus. Senhor, eu tenho orgulho do imprestável (o abandono me protege).”

“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele, ainda,
( para aqueles que vêem em tudo o que lá não está),
a memória das naus.
O Tejo desce da Espanha
e o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio de minha aldeia
e para onde ele vai
e donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,

é mais livre e maior o rio da minha aldeia
Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América
e a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele”.
Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)

Proclamo uma relação com os sentidos ( tato, visão, audição, paladar e olfato) no conhecer das coisas de modo que ao exercer meu cotidiano, minha sensibilidade é instigada a irradiar significados, possibilito-me a deslumbramentos, reviso minha compreensão da realidade, corrompem-se em mim os veios comuns do entendimento um substrato se aloja e instala-se uma agramaticalidade quase insana que empoema o sentido das palavras.

Por isso os poetas voltam à infância, para reaprender a errar a língua, transcender-se ao circunstancial e explodir na cara do leitor. Basta para isso se deliciar com “meu” Manoel de Barros: “Criar começa no desconhecer.”

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